quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

a volta do torpor

a mãe é retrógrada até o fim dos dias. não se preocupava nem um pouco que fosse se estava fazendo os seus filhos passar vergonha. parece até que sentia um certo prazer mórbido ao fazer isso. bobeou, chegava à janela com aquela voz estridente que chega doía na alma berrando para a sua descendente: "vem fazer tarefa".
E, no seu íntimo, a menina pensava de si para si: "tarefa? tás brincando? O que eu faço é dever de casa. Esse termo não deve ser usado desde mil oitocentos e mané gostoso..."

o que nos leva para a próxima estória.

Aracaju, 1955.
A cidade, que já foi uma vez citada pelo nosso querido Adilson Rodrigues, o Maguila, como sendo o seu estado de espírito, estava muito tranqüila, uma serenidade que chega dava gosto, quando de repente algo totalmente inusitado acontece. Um mané gostoso - sim, um daqueles bonecos aparentemente inocentes que se movimentam ao nosso bel prazer, manipulados por algumas cordas presas a pontos estratégicos do seu corpo - aparece no meio da praça se movimentando sozinho. Isso por si só fez com que as pessoas presentes ficassem escandalizadas. Elas não sabiam o que pensar desse incidente: seria folk lore? voodoo? magia negra? candombleau? feitiço? uma fórmula da física muito bem aplicada? o fim dos tempos? alucinação coletiva? Terra em transe? Toy Story com chinelo de couro cru? O que seria?

Em muito menos tempo do que o necessário para matutar todas essas e muitas outras hipóteses a praça estava erma. Nem um menino chato, daqueles que têm como maior diversão atrapalhar o trabalho dos feirantes enquanto tem um sanfoneiro do outro lado da rua, pra contar história. só o mané gostoso zanzando de um lado para o outro até terminar a sua pilha Duracell. O que a gente não faz para conseguir manter o aluguel do espaço?

Sim, vamos voltar à feira. Não é exagero falar que o feirante sergipano naquela época era, acima de tudo, um forte. Ou mesmo que fosse um sujeito fraquinho, ao menos é indubitável que ele tinha que ter uma paciência de jó. Ou uma surdez abençoada. Pois todo dia ele tinha que repetir a mesma frase: "Menino, sai daqui , me deixa trabalhar!". Que por algum acaso rima com "Eu tõ vendendo aqui. Quem quer comprar?". Fica até difícil saber qual dessas frases ele falava com mais freqüência ao longo do dia.

E quando ele já estava rouco de tanto repetir essas frases , do outro lado da rua chega o sanfoneiro fazendo uma barulheira infernal com a sua sanfona de oito baixos. Se um baixo só apesar do nome já faz uma barulheira danada, agora imaginem juntos um baixo Fender, um Gibson, um Music Man, um Rickenbaker, um Alenbic, um Giannini, um Tagima e um Magnus.

Durma-se com um barulho desses, e com esse nariz completamente entupido pela rinite alérgica...

Um comentário:

ELENA BARROS disse...

Eu gostei pq ele não foi pra rua descalço; usou sandálias de couro cru.

Mas ainda acho q, pra assustar tanta gente, devia ser Mané-Chucky.