quarta-feira, 8 de outubro de 2008

E daí se espantaremos o menino?

Dois amigos conversavam sobre os seus tempos de soldado. Já estavam bem entrados na casa dos sessenta anos de idade. A conversa prosseguia mais ou menos assim, numa mesinha do lado de fora do restaurante self service a “Kilo”:

Poxa, me sinto com muita sorte de ter te reencontrado aqui hoje, neste domingo de clima tão aprazível.
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Teno que te confessar que sinto a mesma coisa. Meu peito não conseguia parar de arfar quando vi o seu semblante ali, na fila pra pagar a conta.

Que vontade imensa de gritar, pra todo o mundo ouvir: “vejam , ó todos aqui presentes! Esse senhor com cabelos brancos como o luar do sertão! Assim como eu, esse senhor foi um bravo guerreiro que lutou para manter a soberania deste país onde vocês habitam! Se hoje vocês podem ir à banca e comprar um bilhete do Papa Bola, do Papa Tudo, é por causa dele! Minha e dele!”

Olha, regozijo de tanto júbilo ao saber de toda essa sua emoção, mas por outro lado tenho que confessar que fico até aliviado de que você não o tenha feito. Você entende, né?

Não entendo, mas respeitarei a sua posição. Você não imagina o vazio que se instalou em meu peito nessa quase metade de século. Rapaz... O que você fez durante esse tempo todo, meu rapaz?

Bom, nada de muito interessante, pra ser sincero. Duas semanas depois que terminei o meu serviço militar me casei com uma professora. Como era a moda na época, né? Os casais de militares com professoras. Ficamos casados por quase vinte anos. Mas, sabe como é. Ela viu a Regina Duarte se divorciando em “Malu Mulher” e achou bonitinho. De lá pra cá tive mais uns 2 casamentos, mas nada de muito duradouro. Agora só quero saber dos meus discos, meus livros, e nada mais. E você, amigão?

Bom, eu saí do quartei uns 2 meses depois de você. Alguns meses depois eu me casei, mas esse casamento acabou sendo anulado, a pedido da mocréia lá. Deus me livre... De lá pra cá tenho trabalhado com teatro, sabe? Descobri uma veia artística, um dom divino.

Caramba, cara, que bacana! Eu me lembro que já na época do quartel você era muito agarrado aos livros, Shakespeare, essas coisas.

É, logo depois que você saiu do quartel chegou um outro rapaz muito simpático, gente finíssima mesmo. Um rapazinho bem apessoado, tímido, mas muito inteligente, e com grandes olhos com cor de ardósio, que brilhavam como um sol de anis.

É mesmo?

Sim. Nos demos muito bem lá. Ah, como aprontamos. Sabe como é, né? Garotos novos, com um mundo inteiro pela frente, sem fronteiras, sem amarras...

E como era o nome desse rapaz com quem liberaste todas as tuas amarras e os seus sonhos mais extravagantes?

- Soldado Buarque. Francisco buarque.

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