segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

origami do sul

ele é o primeiro a chegar, e o último a sair. todo dia tem que ouvir a mesma piadinha besta: "dormiu aqui?". e olha que ele nem morava ao lado. pra chegar ele tinha que pegar dois ônibus, quase duas horas de sufoco, e invariavelmente era assim: o primeiro ônibus ele pegava já entupido de gente, mal dava pra ele entrar. no segundo há de se dizer que a coisa ficava mais tranqüila, pois ele pegava no ponto final. dessa forma, ele podia até escolher o acento. em compensação era o trecho do trajeto que tinha o trânsito mais enjoadinho. e ele nem gostava do serviço, pra dizer a verdade. estava lá só pelo arame mesmo. era um pacifista, não gostava nem um pouco dessa estória de tiro, pontaria, revólver... na ocasião do plebiscito de 2005 ele voltou pelo desarmamento, e ainda fez campanha junto aos amigos e aos vizinhos de condomínio. nesse dia lá foi ele e o seu vizinho, que não parava de reclamar da proibição de venda de bebidas alcoólicas. parecia chicago nos anos quarenta, como diz aquela canção popular. futebol? futebol para ele era sinônimo de violência. "é só botar no noticiário que logo vocês vêem que eu tenho razão", ele não se cansava de dizer. "é jogador baixando cacetada no juiz, é torcedor invadindo o campo e dando tesoura voadora nos outros. é torcida contra torcida... às vezes há brigas até entre torcidas do mesmo time. você não vê essa mesma violência entre os jogadores de gamão, de víspora, de ludo, resta um...". sim, ele era um grande entusiasta dos jogos de tabuleiro. damas e xadrez ele não transava muito. o primeiro ele achava chato mesmo, e o segundo ele nunca se interessou muito em aprender. baralho também não lhe enchia os olhos. "é jogo de malandro", ele dizia. "é o primeiro passo pra depois comprar umas garrafas de destilados, um cigarrinho de maconha, uma pistola, e assim sucessivamente". os amigos o consideravam exagerado, um antiquado mesmo. cheio de grilos na cuca, não transava isso, não transava aquilo... mas se você estava em apuros e precisava de uma ajuda, sabia logo com quem podia contar. até que um dia o improvável aconteceu: depois de muitas tentativas frustradas, o cupido finalmente acertou uma flecha em péricles. péricles é um rapaz cheio de energia e que se amarra em curtir altos agitos, e que acha que a vida é pra ser vivida. não se estressa com nada, só com o seu próprio nome, do qual nunca foi muito fã. prefere que o chamem de pepê, tal qual um de seus maiores ídolos. nos fins de semana, quando não estava isolado da civilização transando o corpo e travando um contato mais intenso com a mãe natureza, se transformava no maestro da night e, como se diz por aí, 'pegava todas'. não era muito adepto do relacionamento sério. "amores vêm e vão, são aves de verão", ele costumava dizer, repetindo os versos de uma de suas canções favoritas da nossa MPB. MPB sim, e pra mim isso é mais popular do que as intelectualoidices do caetano ou o zeca baleiro, nem um pouco popular, diga-se de passagem, falando sobre stephen fry. como se o popular que assiste ao programa do faustão emendado com o jogo de futebol novamente emendado com o faustão, e que torce pelo seu ator favorito na dança dos famosos e pipoca de rir com as videocassetadas, estivesse muito interessado em stephen fry ou em saber que na hora do lunch ele vai de ferry boat. haja paciência, já dizia humberto gessinger.

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